Thomas Zuckerman acordou com um sobressalto. Virou-se de um lado para outro na cama, em meio aos lençóis amassados e folhas de papéis rasgadas. As luzes do quarto estavam apagadas, mas o neon da cidade invadia a janela e se expandia graças ao vidro grosso que Thomas mandara instalar. Quando visitas entravam em seu quarto — que usualmente era bem limpo — sempre se impressionavam com a espessura da janela. Thomas se justificava: “Não dá para trabalhar enquanto escuto os carros de som lá na avenida”. Era uma resposta sempre eficaz.
Mas naquela madrugada seu quarto estava imundo. Ele percebeu que ainda estava de calças e tênis. Olhou ao redor, acendeu o abajur e se lembrou: Houve uma festa. Uma festa colossal.
Um celular tocava. Thomas calçou um par de chinelos e saiu em busca do aparelho. Atravessou almofadas de sofá jogadas pelo chão; pisou em dois ou três copos e encontrou seu aparelho perigosamente jogado ao chão da varanda do apartamento. Ele se abaixou, olhou o número e fez uma expressão de desgosto. Antes de atender a ligação, deu mais uma olhada para as luzes da cidade e o desalento logo passou.
“Eu amo esta cidade!”, disse, esticando o A de “amo” o máximo que conseguia.
Ele olhou para o ensaio de apocalipse atrás de si e atendeu a ligação.
“Oi”.
Victoria Allen estava no outro lado do Atlântico. Oito da manhã em Barcelona, quatro em Belo Horizonte.
“Oi!”, ela respondeu. A voz animada.
“Você tem ideia de que…”.
“Sim, sim, querido; eu tenho ideia de tudo!”.
Thomas suspendeu a respiração por alguns instantes. Quando ensaiou um fonema para ser dito, Victoria partiu em cima:
“Olha, olha! Eu estou lhe ligando para dizer Barcelona é um lugar lindo e que você deveria fazer um tour por aqui”. Thomas mal conseguia acreditar no que escutava. Ela continuou: “O tempo é quente, as pessoas são bonitas e ricas… sempre há filmes… e tem eu!”.
“‘E tem eu’”, Thomas respondeu de forma ríspida, ironizando o erro. Mas é assim que as pessoas falam, não? “Ainda bem que o mundo não vem com um Word para corrigir todos os nossos erros”. Fez uma pausa e continuou: “Victoria, meu bem, acredite-me/i], você [i]não é tão importante assim para mim. Você por acaso se interessou em saber que meu primeiro livro será publicado daqui a um mês?”.
“Não”.
A falta espírito coletivo desta frase fascinava Thomas.
“Pois é. Não posso ir agora. Eu tenho uma vida em BH e ela não pode ser parada. Não posso fazer isso — nem todo mundo tem a sorte de ter todos os sonhos realizados”.
“Sim você pode. Olha, depois a gente continua essa discussão. Hoje vou visitar umas vinícolas aqui e…”.
Thomas desligou o telefone, irritado.
Ele conhecia Victoria há quantos anos? 10? Talvez. Parecia eternidade. Sempre foram próximos. Ou costumavam ser. Enquanto Victoria se interessava pelas artes e por um mundo cheio de cores e sons com o melhor do Mediterrâneo, Thomas sempre foi o senso de razão. Mais amargo que ela, talvez. Talvez porque seus anseios eram diferentes. Às vezes ele queria emoções e ficava bancando o esperto e experiente — nunca passou da sua redoma de vidro. Ele gostava de Victoria porque, aos seus olhos, ela era espontânea. Talvez o problema de Thomas fosse excesso de precauções; algo como um plano maior que não poderia ser perturbado.
E de certa forma, era isso mesmo: Aqui estava ele. Era a vida que sempre quis: Um crítico respeitado, publicando (ou na espera da publicação do) seu primeiro livro, escrevendo para três jornais de circulação nacional… porque abandonar tudo? Se fosse sair do país, que fosse para os EUA, onde o Cinema manda.
Com um gesto, pôs a ideia de lado — ele estava com sono, com raiva por causa do barulho da limpeza pela manhã e porque foi acordado por pura irresponsabilidade de alguém a tantos e tantos quilômetros dali.
¶
Victoria caminhava com botas de couro pelas parreiras. O sol brilhava na imensidão, radiante. As cores estavam mais saturadas e nítidas; era como se a vida fosse revelada em Technicolor dos anos 50. O verde parecia azul, às vezes.
Ela pegou uma uva e pôs na boca. Entretanto, não parecia totalmente feliz — perguntava-se se aquela era mesma a vida que desejava. Se a felicidade era só uma questão de lugar, dinheiro, símbolo — sempre que essas questões passavam por sua cabeça, sentia algo horrível cair no chão e fazer um barulho atroz.
Subitamente perdeu o interesse nas uvas e caminhou até um desfiladeiro próximo dali. O Mediterrâneo a saudava e as ondas quebravam na praia.
“Esta é a definição de felicidade”, uma voz disse atrás dela. Victoria se virou e fitou uma senhora de 70 anos, mas que parecia ter 50. “A maresia rejuvenesce e o vinho aquece a alma”.
Victoria sorriu amarelamente e continuou olhando para o horizonte.
¶
Horas mais tarde Victoria já havia voltado para a mansão. Spoll fazia a dormia. De fato, a casa parecia silenciosa como uma catedral. A cúpula alta do enorme hall de entrada reforçava a impressão.
De banho tomado, ela pegou uma bicicleta e saiu para dar uma volta. Ela podia, certo? O que não se pode fazer quando se tem dinheiro — o que não se pode fazer quando se tem dinheiro em Barcelona? É tentador pensar que a vida gira ao seu redor quando os ventos benignos da praia sopram em seu pescoço.
Ela saiu e viu a vida: Pessoas de todas as classes caminhavam; viúvas anciãs tricotavam em frente às casas — se eram delas ou não é totalmente irrelevante —; jovens namorados eram jovens namorados e a vida seguia seu curso normalmente. As pessoas faziam o que bem entendiam e isto parecia ser lá meio libertador. Elas caminham lentamente, pensou Victória. Parece uma grande cáfila. Eis um daqueles pensamentos que surgem do nada quando se caminha ou se faz a barba.
Ela fez uma curva e entrou numa galeria de roupas tradicionais.
¶
“Os caras aqui são atrasados. Thomas, Thomas! Dizer que eles vão publicar o seu livro não quer dizer quer dizer que eles vão publicar agora! Cara! deixe de ser inocente!”.
As palavras atingiam Thomas com mais eficiência do que tapas. O torturador é Marcos Almeida, um colega crítico. Experiente, meia idade, calvo e de renome. Sua gravata balançava diante do rosto perplexo de Thomas.
“Agora escuta”, continuou Marcos, “Você tem que ter paciência. Pressionar vai deixá-los… de saco cheio de você, essa é a expressão correta. Você tem que relaxar e ir com a maré. O que nós aprendemos de Os Sapatinhos Vermelhos? Aprendemos que…”.
“Que Moira Shearer tem pernas bonitas”.
“Aprendemos que pressão faz as pessoas se jogarem do alto de terraços elevados em Mônaco. Agora escute: Continue escrevendo normalmente. Vá às festas, pegue garotas, embebede-se, escreva ensaios… já pensou naquela minha proposta?”
“Que proposta?”.
“De dar uma master class na UFMG”.
“Eu vou dar… você está insano?!”, Thomas berrou. “Na UFMG não tem curso de Cinema, tem de Cinema de Animação! Não quero dar aulas para Carlos Saldanhas da vida”.
“Eu disse que você pode dar uma aula na/i] UFMG, não [i]para os alunos da UFMG. Olha, isso a gente pode fazer independentemente e a custo zero — esse é o milagre da Internet”.
“Tipo blogs, Facebook e esses negócios?”.
“Sim. Você pode rodar um anúncio num jornal que tu escreve e eu posso fazer isso na Contraplongée”.
“Bem notado. Bem notado”.
Thomas abaixou a cabeça por alguns instantes. Enquanto isso, Marcos virou-se para a sala em forma de aquário atrás de si, com alguns executivos e editores participando de uma reunião. Eles mexiam em papeis e em manuscritos de autores.
Thomas levantou a cabeça. Ele sentia um peso nos ombros. Um fardo, talvez.
“Você sabe”, Thomas disse com reticências, “normalmente eu acredito que ternos puxam minha coluna para cima e me deixam parecido com um senhor de respeito. Hoje eles estão me puxando para baixo”.
“Aquela sua festa”, riu Marcos.
“Talvez. Mas pode ser um sentimento chato de desilusão”.
“Cara”, iniciou Marcos num tom irritantemente patriarcal, “a verdadeira desilusão foi aquela que a Luísa te fez”.
Thomas mal pode escutar o nome Luísa. Sua mente recontorcia em dores.
“Nem me fale”.
“A sua festa foi boa para esquecê-la”.
“Ainda penso nela”.
“Pensará menos”.
“Ela me lembra aquela música… aquela do Simon e Garfunkel: I get up to wash my face, And when I come back to bed someone has taken my place”.
“Cecilia”.
“Isso”.
Thomas entrou na sala de aquário onde ficou por mais duas horas. De lá saiu com a informação que seu livro, Mover é Viver: Os Filmes que Enchem os Olhos, não sairia até março do ano que vem. Levando em consideração que estamos em outubro e o sol escaldava a todos, ainda havia tempo. Era o terceiro adiamento do seu projeto; um sentimento de culpa, traição e inquietação matava-lhe o peito. Foi para casa praguejando enquanto escutava Cecilia”.
Uma ideia germinava em sua cabeça. Férias, talvez. Thomas estava cansado de planejar e ver os objetivos que queria (e ele sempre queria mais) serem afastados.
“Talvez ela esteja certa. A vida tem que ser mais que um apartamentozinho e luzes cintilantes”.
¶
Em Barcelona, Victoria estava vendo as horas passarem pacientemente numa boate. Spoll, ao seu lado, insistia em dançar. Ela não queria. Ela queria ir para casa, deitar na cama e ter uma noite agradável, com sono ou sem sono.
“Você quer uma experiência nova? Outra boate”, disse Spoll, compassivamente. “Essas que você gosta são todas iguais, e eu nem sei se você gosta mesmo”.
“Eu não gosto, mas não vim aqui para escutar flamenco”.
“Só estou dizendo que Barcelona vive todas as horas. Talvez você só precise de um empurrão”.
“Não, não. Vamos para casa”.
O casal se levantou e foi para casa. Enquanto Spoll tomava banho, Victoria foi até o guarda-roupa e contemplou a roupa de dança do ventre brevemente — ela não era usada há algumas semanas. Talvez nem servisse mais. Não porque engordara ou emagrecera (a Espanha fazia bem para sua beleza, verdade seja dita). Não… era outra coisa. Talvez porque Victoria estava… talvez porque Victoria já não era a mesma.
Mas naquela madrugada seu quarto estava imundo. Ele percebeu que ainda estava de calças e tênis. Olhou ao redor, acendeu o abajur e se lembrou: Houve uma festa. Uma festa colossal.
Um celular tocava. Thomas calçou um par de chinelos e saiu em busca do aparelho. Atravessou almofadas de sofá jogadas pelo chão; pisou em dois ou três copos e encontrou seu aparelho perigosamente jogado ao chão da varanda do apartamento. Ele se abaixou, olhou o número e fez uma expressão de desgosto. Antes de atender a ligação, deu mais uma olhada para as luzes da cidade e o desalento logo passou.
“Eu amo esta cidade!”, disse, esticando o A de “amo” o máximo que conseguia.
Ele olhou para o ensaio de apocalipse atrás de si e atendeu a ligação.
“Oi”.
Victoria Allen estava no outro lado do Atlântico. Oito da manhã em Barcelona, quatro em Belo Horizonte.
“Oi!”, ela respondeu. A voz animada.
“Você tem ideia de que…”.
“Sim, sim, querido; eu tenho ideia de tudo!”.
Thomas suspendeu a respiração por alguns instantes. Quando ensaiou um fonema para ser dito, Victoria partiu em cima:
“Olha, olha! Eu estou lhe ligando para dizer Barcelona é um lugar lindo e que você deveria fazer um tour por aqui”. Thomas mal conseguia acreditar no que escutava. Ela continuou: “O tempo é quente, as pessoas são bonitas e ricas… sempre há filmes… e tem eu!”.
“‘E tem eu’”, Thomas respondeu de forma ríspida, ironizando o erro. Mas é assim que as pessoas falam, não? “Ainda bem que o mundo não vem com um Word para corrigir todos os nossos erros”. Fez uma pausa e continuou: “Victoria, meu bem, acredite-me/i], você [i]não é tão importante assim para mim. Você por acaso se interessou em saber que meu primeiro livro será publicado daqui a um mês?”.
“Não”.
A falta espírito coletivo desta frase fascinava Thomas.
“Pois é. Não posso ir agora. Eu tenho uma vida em BH e ela não pode ser parada. Não posso fazer isso — nem todo mundo tem a sorte de ter todos os sonhos realizados”.
“Sim você pode. Olha, depois a gente continua essa discussão. Hoje vou visitar umas vinícolas aqui e…”.
Thomas desligou o telefone, irritado.
Ele conhecia Victoria há quantos anos? 10? Talvez. Parecia eternidade. Sempre foram próximos. Ou costumavam ser. Enquanto Victoria se interessava pelas artes e por um mundo cheio de cores e sons com o melhor do Mediterrâneo, Thomas sempre foi o senso de razão. Mais amargo que ela, talvez. Talvez porque seus anseios eram diferentes. Às vezes ele queria emoções e ficava bancando o esperto e experiente — nunca passou da sua redoma de vidro. Ele gostava de Victoria porque, aos seus olhos, ela era espontânea. Talvez o problema de Thomas fosse excesso de precauções; algo como um plano maior que não poderia ser perturbado.
E de certa forma, era isso mesmo: Aqui estava ele. Era a vida que sempre quis: Um crítico respeitado, publicando (ou na espera da publicação do) seu primeiro livro, escrevendo para três jornais de circulação nacional… porque abandonar tudo? Se fosse sair do país, que fosse para os EUA, onde o Cinema manda.
Com um gesto, pôs a ideia de lado — ele estava com sono, com raiva por causa do barulho da limpeza pela manhã e porque foi acordado por pura irresponsabilidade de alguém a tantos e tantos quilômetros dali.
¶
Victoria caminhava com botas de couro pelas parreiras. O sol brilhava na imensidão, radiante. As cores estavam mais saturadas e nítidas; era como se a vida fosse revelada em Technicolor dos anos 50. O verde parecia azul, às vezes.
Ela pegou uma uva e pôs na boca. Entretanto, não parecia totalmente feliz — perguntava-se se aquela era mesma a vida que desejava. Se a felicidade era só uma questão de lugar, dinheiro, símbolo — sempre que essas questões passavam por sua cabeça, sentia algo horrível cair no chão e fazer um barulho atroz.
Subitamente perdeu o interesse nas uvas e caminhou até um desfiladeiro próximo dali. O Mediterrâneo a saudava e as ondas quebravam na praia.
“Esta é a definição de felicidade”, uma voz disse atrás dela. Victoria se virou e fitou uma senhora de 70 anos, mas que parecia ter 50. “A maresia rejuvenesce e o vinho aquece a alma”.
Victoria sorriu amarelamente e continuou olhando para o horizonte.
¶
Horas mais tarde Victoria já havia voltado para a mansão. Spoll fazia a dormia. De fato, a casa parecia silenciosa como uma catedral. A cúpula alta do enorme hall de entrada reforçava a impressão.
De banho tomado, ela pegou uma bicicleta e saiu para dar uma volta. Ela podia, certo? O que não se pode fazer quando se tem dinheiro — o que não se pode fazer quando se tem dinheiro em Barcelona? É tentador pensar que a vida gira ao seu redor quando os ventos benignos da praia sopram em seu pescoço.
Ela saiu e viu a vida: Pessoas de todas as classes caminhavam; viúvas anciãs tricotavam em frente às casas — se eram delas ou não é totalmente irrelevante —; jovens namorados eram jovens namorados e a vida seguia seu curso normalmente. As pessoas faziam o que bem entendiam e isto parecia ser lá meio libertador. Elas caminham lentamente, pensou Victória. Parece uma grande cáfila. Eis um daqueles pensamentos que surgem do nada quando se caminha ou se faz a barba.
Ela fez uma curva e entrou numa galeria de roupas tradicionais.
¶
“Os caras aqui são atrasados. Thomas, Thomas! Dizer que eles vão publicar o seu livro não quer dizer quer dizer que eles vão publicar agora! Cara! deixe de ser inocente!”.
As palavras atingiam Thomas com mais eficiência do que tapas. O torturador é Marcos Almeida, um colega crítico. Experiente, meia idade, calvo e de renome. Sua gravata balançava diante do rosto perplexo de Thomas.
“Agora escuta”, continuou Marcos, “Você tem que ter paciência. Pressionar vai deixá-los… de saco cheio de você, essa é a expressão correta. Você tem que relaxar e ir com a maré. O que nós aprendemos de Os Sapatinhos Vermelhos? Aprendemos que…”.
“Que Moira Shearer tem pernas bonitas”.
“Aprendemos que pressão faz as pessoas se jogarem do alto de terraços elevados em Mônaco. Agora escute: Continue escrevendo normalmente. Vá às festas, pegue garotas, embebede-se, escreva ensaios… já pensou naquela minha proposta?”
“Que proposta?”.
“De dar uma master class na UFMG”.
“Eu vou dar… você está insano?!”, Thomas berrou. “Na UFMG não tem curso de Cinema, tem de Cinema de Animação! Não quero dar aulas para Carlos Saldanhas da vida”.
“Eu disse que você pode dar uma aula na/i] UFMG, não [i]para os alunos da UFMG. Olha, isso a gente pode fazer independentemente e a custo zero — esse é o milagre da Internet”.
“Tipo blogs, Facebook e esses negócios?”.
“Sim. Você pode rodar um anúncio num jornal que tu escreve e eu posso fazer isso na Contraplongée”.
“Bem notado. Bem notado”.
Thomas abaixou a cabeça por alguns instantes. Enquanto isso, Marcos virou-se para a sala em forma de aquário atrás de si, com alguns executivos e editores participando de uma reunião. Eles mexiam em papeis e em manuscritos de autores.
Thomas levantou a cabeça. Ele sentia um peso nos ombros. Um fardo, talvez.
“Você sabe”, Thomas disse com reticências, “normalmente eu acredito que ternos puxam minha coluna para cima e me deixam parecido com um senhor de respeito. Hoje eles estão me puxando para baixo”.
“Aquela sua festa”, riu Marcos.
“Talvez. Mas pode ser um sentimento chato de desilusão”.
“Cara”, iniciou Marcos num tom irritantemente patriarcal, “a verdadeira desilusão foi aquela que a Luísa te fez”.
Thomas mal pode escutar o nome Luísa. Sua mente recontorcia em dores.
“Nem me fale”.
“A sua festa foi boa para esquecê-la”.
“Ainda penso nela”.
“Pensará menos”.
“Ela me lembra aquela música… aquela do Simon e Garfunkel: I get up to wash my face, And when I come back to bed someone has taken my place”.
“Cecilia”.
“Isso”.
Thomas entrou na sala de aquário onde ficou por mais duas horas. De lá saiu com a informação que seu livro, Mover é Viver: Os Filmes que Enchem os Olhos, não sairia até março do ano que vem. Levando em consideração que estamos em outubro e o sol escaldava a todos, ainda havia tempo. Era o terceiro adiamento do seu projeto; um sentimento de culpa, traição e inquietação matava-lhe o peito. Foi para casa praguejando enquanto escutava Cecilia”.
Uma ideia germinava em sua cabeça. Férias, talvez. Thomas estava cansado de planejar e ver os objetivos que queria (e ele sempre queria mais) serem afastados.
“Talvez ela esteja certa. A vida tem que ser mais que um apartamentozinho e luzes cintilantes”.
¶
Em Barcelona, Victoria estava vendo as horas passarem pacientemente numa boate. Spoll, ao seu lado, insistia em dançar. Ela não queria. Ela queria ir para casa, deitar na cama e ter uma noite agradável, com sono ou sem sono.
“Você quer uma experiência nova? Outra boate”, disse Spoll, compassivamente. “Essas que você gosta são todas iguais, e eu nem sei se você gosta mesmo”.
“Eu não gosto, mas não vim aqui para escutar flamenco”.
“Só estou dizendo que Barcelona vive todas as horas. Talvez você só precise de um empurrão”.
“Não, não. Vamos para casa”.
O casal se levantou e foi para casa. Enquanto Spoll tomava banho, Victoria foi até o guarda-roupa e contemplou a roupa de dança do ventre brevemente — ela não era usada há algumas semanas. Talvez nem servisse mais. Não porque engordara ou emagrecera (a Espanha fazia bem para sua beleza, verdade seja dita). Não… era outra coisa. Talvez porque Victoria estava… talvez porque Victoria já não era a mesma.